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Vinha do enforcado

Vinha do enforcado: produção de vinho num sistema agro-florestal ancestral e ameaçado no Norte de Portugal

Os sistemas agro-florestais são uma prática bem conhecida, dispersa e diversificada em Portugal. Estes sistemas incluem uma variedade de espécies, culturas e variedades locais de animais e culturas agrícolas. Na região centro e norte do país, caracterizadas por explorações de pequena dimensão, os sistemas agro-florestais foram durante muitos séculos a base de uma agricultura familiar, permitindo às famílias aumentar a diversidade dos produtos provenientes de uma pequena parcela.

Na região Norte de Portugal podemos encontrar um sistema ancestral, originário da idade média, o qual se apresenta com um rápido decréscimo em área de dispersão: a vinha do enforcado (Fig. 1). O sistema baseia-se no cultivo das videiras para produção de vinho, cultivadas nos limites das parcelas agrícolas e deliberadamente geridas para promover o crescimento em altura (até 4 metros ou mais), suportado por postes vivos de árvores de espécies como o plátano (Platanus spp), lódão bastardo (Celtis australis), freixo (Fraxinus spp) etc. O interior das parcelas é dedicado ao cultivo de culturas agrícolas ou actividades de pastorícia.

Neste sistema as árvores são podadas anualmente com dois objectivos: obtenção de forragem para os animais e redução da quantidade de sombra que, caso não fosse efectuada, resultaria na limitação do desenvolvimento e maturação do fruto (uvas). Por esta razão, as espécies arbóreas utilizadas neste sistema necessitam de apresentar a capacidade de serem geridas por práticas de talhadia de cabeça ou podas frequentes.

As variedades das videiras encontradas na ‘vinha do enforcado’ apresentam características distintas de outras videiras: i) maior predominância de crescimento na vertical (trepadeiras); ii) maior tolerância à sombra; iii) propriedades organolépticas distintas. Estas variedades e as práticas de gestão características deste sistema, ambas ameaçadas, originam a produção de um vinho com características distintas, ainda que pouco estudadas e já muito pouco consideradas pelo setor do vinho.

Este sistema encontra-se claramente em perigo devido à expansão das vinhas para produção intensiva e à crescente falta de mão-de-obra. Ainda existe área deste tipo de sistema na região do Vale do Sousa e áreas circundantes. Em Outubro de 2017 o projeto AFINET realizou uma visita a uma das últimas explorações do Vale do Sousa que ainda produz vinho de vinha do enforcado. A visita foi promovida pela pela ADER-SOUSA, membro da RAIN Portuguesa, e pela adega cooperativa Terras de Felgueiras – Caves Felgueiras, CRL. O produtor em questão possui propriedades que totalizam 2.5 ha e mais alguma área arrendada. A sua exploração é constituída por 1 ha de vinha do enforcado, com milho a ser produzido no centro destas parcelas, 1.7 ha de vinha intensiva e 50 vacas ‘Limousine’. A juntar a esta descrição, a visita também teve como objetivo compreender os motivos pelos quais este sistema se encontra em abandono, tendo identificado três aspeCtos principais:

– Falta de mão-de-obra para a vindima: esta actividade ainda é realizada manualmente, usando escadotes, o que a torna uma actividade perigosa e demorada

– Práticas de manutenção da vinha e de vindima representam custos elevados

– Baixo preço das uvas- A PAC através do regime de apoio à reconversão e reestruturação da vinha (VITIS) abrange a alteração dos sistemas de condução e a reconversão varietal. Na região do EDM, o arranque de um metro quadrado de vinha de enforcado ou ramada instalada na bordadura origina uma autorização de plantação de três metros quadrados de vinha contínua

É necessária uma acção urgente para a protecção deste sistema tradicional de condução de vinha. Ele representa uma oportunidade para o desenvolvimento de novos produtos e serviços nesta região: (1) há aqui a possibilidade para a criação de um novo produto, dado que estas variedades vigorosas de videira tendem a produzir vinhos ligeiramente mais ácidos e com menor grau alcoólico, criando vinhos menos inebriantes; (2) há que contabilizar o seu valor para a biodiversidade do meio, albergando, muito provavelmente, fauna específica (pássaros e morcegos); (3) uma vez que se trata de um sistema tradicional ancestral, uma candidatura a património da humanidade da UNESCO poderia ser considerada, o que contribuiria também para o desenvolvimento turístico da região.

O projeto AFINET pretende chamar a atenção para estes sistemas agroflorestais em declínio, evidenciando exemplos e potenciando ações conjuntas ao nível europeu.

Fonte: Joana Amaral Paulo (ISA), Ana Tomás (ISA), José Sousa Guedes (ADER-SOUSA), Pedro Martins (Terras de Felgueiras – Caves Felgueiras, CRL)

 

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